sEGUNDA-FEIRA, 29 DE MARÇO DE 2010
Esquizofrenia, o que é isso?...
Quando decidi escrever este artigo, sabia que estava entrando num campo minado. Não só minado, mas tumultuado, debatido, estudado e pesquisado sem que haja hoje entre psiquiatras um consenso sobre o que é essa doença, de onde vem e qual é o seu melhor tratamento. Sempre me chamou a atenção ser tão fácil teorizar sobre a esquizofrenia e quão complicada essa teorização pode ser.
Para resumir, a esquizofrenia é o tendão de aquiles da psiquiatria e da psicanálise. Ela gera posicionamentos e crenças muito radicais e frequentemente incompatíveis. Isso, por uma razão muito simples: permanecemos ainda muito ignorantes sobre essa doença tão incapacitante.
O encontro profissional com um paciente sofrendo dessa desordem nos leva a tentar fazer algum sentido do seu comportamento interno e externo, quase sempre muito enigmático. Via de regra o paciente nos chega trazido pela família porque ele nem sempre aceita estar enfermo. Na fase aguda, o quadro é dramático e muito grave. Sem dúvida é a desordem mental mais severa. Ela afeta o ser humano em todas as áreas de sua performance: pensamentos, sentimentos e condutas que, em certas situações, podem se tornar perigosas para o paciente e para terceiros.
A desordem é um desastre doloroso para o paciente e sua família. É uma tragédia comparável aos desastres aéreos. Em ambos, quase nunca existe uma só causa. Geralmente são muitas, agindo em sequência ou concomitantemente. Apenas uma delas isoladamente não seria suficiente para causar a doença. Essas possíveis causas são muitas, como afluentes que deságuam na correnteza central do quadro clínico e que provavelmente são de natureza biológica e ambiental.
Geralmente a esquizofrenia se apresenta na adolescência, especialmente no momento quando o(a) jovem tenta entrar na vida adulta. Nessa fase, as tarefas a serem cumpridas são complexas: a separação dos pais, a busca de uma identidade profissional, a experiência da intimidade sexual e a escolha do(a) parceiro(a), apenas para citar algumas.
O rótulo diagnóstico, ainda hoje, gera preconceitos. O psiquiatra alemão Kraepelin, quem primeiro descreveu a doença, rotulou-a como “Demência Precoce” querendo dizer com isso que ela seria uma enfermidade mental que progressiva e invariavelmente levava a uma demência total. Daí para frente, apesar de concepções subsequentes, o pessimismo sobre a doença permaneceu inalterado. Não que ela não seja grave e difícil de tratar. Não que ela não cause, frequentemente, uma incapacitação. Mas é preciso levar em conta que ela é tratável e nem sempre leva à demência, como postulou Kraepelin. Pelo contrário, estudos recentes mostram que ela tende a melhorar com a passagem do tempo.
As pesquisas nesse campo são inúmeras e vêm de todas as fontes. Não sei se serei capaz de mencionar todas. Irei citar apenas algumas vertentes, sabendo que nenhuma delas é conclusiva em termos de uma causalidade única.
Comecemos pela hereditariedade. Muitas pesquisas têm sido feitas apontando para um possível fator genético no aparecimento da desordem. Existem evidências nessa direção, mas até hoje não foi identificado um gene responsável pela doença. Em seguida podemos falar em outros fatores biológicos, tais como alterações bioquímicas e anatômicas que têm sido pesquisadas, com resultados variáveis.
Em seguida viriam os fatores ambientais. Estudos foram e têm sido feitos sobre a gravidez, os primeiros anos de vida, a dinâmica da família, fatores sociológicos e até culturais. Todos com alguma validade, mas, outra vez, não conclusivos como causas únicas.
Percebo que os jovens psiquiatras que primeiro encontram um paciente com esquizofrenia ficam perplexos, tentando fazer sentido do caos que observam. Entendo quando eles acabam adotando uma única “escola” de pensamento psiquiátrico ou psicanalítico que propõe uma teoria única sobre a doença, sua etiologia e seu tratamento. Isso os ajuda a simplificar a tarefa e a ter uma pseudossegurança de “saber” sobre a enigmática desordem. Isso pode evoluir na direção de verdadeiras crenças que não admitem evidências vindas de outras fontes. Um perigo.
Até mesmo entre os profissionais mais experientes existem os que adotam visões polarizadas e radicais, desde uma abordagem puramente medicamentosa até uma abordagem exclusivamente psicanalítica. É preciso ter cuidado com os que têm certeza sobre a etiologia e o tratamento da doença. Prefiro os profissionais mais humildes, que reconhecem as suas limitações e que têm a flexibilidade de tentar estratégias terapêuticas diferentes num processo de tentativa e erro.
Demora algum tempo para um profissional conseguir integrar conhecimentos vindos de todas as fontes, e assim se tornar capaz de, empiricamente, atuar nas áreas onde ele poderá fazer uma diferença na vida do paciente e de sua família.
Dentro dessa visão abrangente, a desordem deve ser tratada numa abordagem multidimensional. O profissional deve ser flexível e estar atento, como um piloto de avião que deve olhar para todos os indicadores no painel à sua frente antes de tomar as suas decisões. Nessa tarefa não tem lugar para um pessimismo nem para um otimismo exagerados. O tratamento da esquizofrenia exige muita paciência e dedicação.
O profissional que se propõe a tratar desses pacientes já deve estar prevendo, de antemão, que eles irão passar por crises e recaídas e por isso ele deverá ser accessível 24 horas por dia. Além disso, ele deverá contar com a ajuda de atendimentos suplementares, inclusive centros de convivência, hospitais-dia e até internações hospitalares quando e se elas se tornarem necessárias. Acho que é uma ilusão grandiosa do profissional achar que o paciente poderá ser atendido só no seu consultório, sem envolvimento da ajuda desses programas de apoio e sem a participação continuada da família. Afinal é a família que, via de regra, convive com o paciente no dia a dia e arca com os custos do seu tratamento.
Se o profissional não estiver disposto a ter essa flexibilidade e disponibilidade, seria melhor ele se concentrar no atendimento de pacientes menos incapacitados, capazes de arcar com seus tratamentos sem a necessidade da ajuda ou da intervenção da família e dos programas suplementares descritos acima.
Na minha carreira profissional eu já fui gratificado com ótimos progressos no tratamento de pacientes esquizofrênicos, que inicialmente se apresentaram como sendo quase impossíveis de serem atendidos. Muitos me surpreenderam nas minhas expectativas. Por isso aprendi a não colocar um limite aos possíveis resultados do tratamento.
O tratamento de pessoas sofrendo de esquizofrenia é uma tarefa que alguém deve fazer e que se abordada de acordo com os critérios que tentei descrever acima, pode ser recompensador para o profissional, para o paciente e sua família.
Para resumir, a esquizofrenia é o tendão de aquiles da psiquiatria e da psicanálise. Ela gera posicionamentos e crenças muito radicais e frequentemente incompatíveis. Isso, por uma razão muito simples: permanecemos ainda muito ignorantes sobre essa doença tão incapacitante.
O encontro profissional com um paciente sofrendo dessa desordem nos leva a tentar fazer algum sentido do seu comportamento interno e externo, quase sempre muito enigmático. Via de regra o paciente nos chega trazido pela família porque ele nem sempre aceita estar enfermo. Na fase aguda, o quadro é dramático e muito grave. Sem dúvida é a desordem mental mais severa. Ela afeta o ser humano em todas as áreas de sua performance: pensamentos, sentimentos e condutas que, em certas situações, podem se tornar perigosas para o paciente e para terceiros.
A desordem é um desastre doloroso para o paciente e sua família. É uma tragédia comparável aos desastres aéreos. Em ambos, quase nunca existe uma só causa. Geralmente são muitas, agindo em sequência ou concomitantemente. Apenas uma delas isoladamente não seria suficiente para causar a doença. Essas possíveis causas são muitas, como afluentes que deságuam na correnteza central do quadro clínico e que provavelmente são de natureza biológica e ambiental.
Geralmente a esquizofrenia se apresenta na adolescência, especialmente no momento quando o(a) jovem tenta entrar na vida adulta. Nessa fase, as tarefas a serem cumpridas são complexas: a separação dos pais, a busca de uma identidade profissional, a experiência da intimidade sexual e a escolha do(a) parceiro(a), apenas para citar algumas.
O rótulo diagnóstico, ainda hoje, gera preconceitos. O psiquiatra alemão Kraepelin, quem primeiro descreveu a doença, rotulou-a como “Demência Precoce” querendo dizer com isso que ela seria uma enfermidade mental que progressiva e invariavelmente levava a uma demência total. Daí para frente, apesar de concepções subsequentes, o pessimismo sobre a doença permaneceu inalterado. Não que ela não seja grave e difícil de tratar. Não que ela não cause, frequentemente, uma incapacitação. Mas é preciso levar em conta que ela é tratável e nem sempre leva à demência, como postulou Kraepelin. Pelo contrário, estudos recentes mostram que ela tende a melhorar com a passagem do tempo.
As pesquisas nesse campo são inúmeras e vêm de todas as fontes. Não sei se serei capaz de mencionar todas. Irei citar apenas algumas vertentes, sabendo que nenhuma delas é conclusiva em termos de uma causalidade única.
Comecemos pela hereditariedade. Muitas pesquisas têm sido feitas apontando para um possível fator genético no aparecimento da desordem. Existem evidências nessa direção, mas até hoje não foi identificado um gene responsável pela doença. Em seguida podemos falar em outros fatores biológicos, tais como alterações bioquímicas e anatômicas que têm sido pesquisadas, com resultados variáveis.
Em seguida viriam os fatores ambientais. Estudos foram e têm sido feitos sobre a gravidez, os primeiros anos de vida, a dinâmica da família, fatores sociológicos e até culturais. Todos com alguma validade, mas, outra vez, não conclusivos como causas únicas.
Percebo que os jovens psiquiatras que primeiro encontram um paciente com esquizofrenia ficam perplexos, tentando fazer sentido do caos que observam. Entendo quando eles acabam adotando uma única “escola” de pensamento psiquiátrico ou psicanalítico que propõe uma teoria única sobre a doença, sua etiologia e seu tratamento. Isso os ajuda a simplificar a tarefa e a ter uma pseudossegurança de “saber” sobre a enigmática desordem. Isso pode evoluir na direção de verdadeiras crenças que não admitem evidências vindas de outras fontes. Um perigo.
Até mesmo entre os profissionais mais experientes existem os que adotam visões polarizadas e radicais, desde uma abordagem puramente medicamentosa até uma abordagem exclusivamente psicanalítica. É preciso ter cuidado com os que têm certeza sobre a etiologia e o tratamento da doença. Prefiro os profissionais mais humildes, que reconhecem as suas limitações e que têm a flexibilidade de tentar estratégias terapêuticas diferentes num processo de tentativa e erro.
Demora algum tempo para um profissional conseguir integrar conhecimentos vindos de todas as fontes, e assim se tornar capaz de, empiricamente, atuar nas áreas onde ele poderá fazer uma diferença na vida do paciente e de sua família.
Dentro dessa visão abrangente, a desordem deve ser tratada numa abordagem multidimensional. O profissional deve ser flexível e estar atento, como um piloto de avião que deve olhar para todos os indicadores no painel à sua frente antes de tomar as suas decisões. Nessa tarefa não tem lugar para um pessimismo nem para um otimismo exagerados. O tratamento da esquizofrenia exige muita paciência e dedicação.
O profissional que se propõe a tratar desses pacientes já deve estar prevendo, de antemão, que eles irão passar por crises e recaídas e por isso ele deverá ser accessível 24 horas por dia. Além disso, ele deverá contar com a ajuda de atendimentos suplementares, inclusive centros de convivência, hospitais-dia e até internações hospitalares quando e se elas se tornarem necessárias. Acho que é uma ilusão grandiosa do profissional achar que o paciente poderá ser atendido só no seu consultório, sem envolvimento da ajuda desses programas de apoio e sem a participação continuada da família. Afinal é a família que, via de regra, convive com o paciente no dia a dia e arca com os custos do seu tratamento.
Se o profissional não estiver disposto a ter essa flexibilidade e disponibilidade, seria melhor ele se concentrar no atendimento de pacientes menos incapacitados, capazes de arcar com seus tratamentos sem a necessidade da ajuda ou da intervenção da família e dos programas suplementares descritos acima.
Na minha carreira profissional eu já fui gratificado com ótimos progressos no tratamento de pacientes esquizofrênicos, que inicialmente se apresentaram como sendo quase impossíveis de serem atendidos. Muitos me surpreenderam nas minhas expectativas. Por isso aprendi a não colocar um limite aos possíveis resultados do tratamento.
O tratamento de pessoas sofrendo de esquizofrenia é uma tarefa que alguém deve fazer e que se abordada de acordo com os critérios que tentei descrever acima, pode ser recompensador para o profissional, para o paciente e sua família.
Belo Horizonte, 29 de Março de 2010
Dr. Márcio Vasconcelos Pinheiro. Médico, psiquiatra e psicanalista |
Psicanalizando: Gostei muito dessa matéria do Dr. Márcio porque me
identifico como a profissional que acredita no potencial de
pacientes psicóticos, como nesse caso os esquizofrênicos. Todos tem potencial a ser
desenvolvido e assim como ele coloca, devemos ir além da atitude de
psicanalistas tradicionais e realmente ajudar esses pacientes, participando
desse mundo bem “bagunçado” que é o mundo dos esquizofrênicos. Me sinto na
obrigação de ajudar a que eles possam se encontrar nesse "caos" de sua
introspecção e tentarem se ajustarem as condições de convivência no lar e
sociedade.
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