Tempos de Quarentena 2

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Por Virgínia Leão
Ousadamente, neste texto, me arrisco a fazer uma “costura” com alguns recortes de citações do poeta Rumi, para continuar a viagem reflexiva iniciada no texto anterior intitulado “Tempos de Quarentena”. Além de poeta, Rumi foi também um teólogo sufi do século XIII.Ser sufi significa viver uma vida contemplativa e manter uma relação direta e contínua com Deus. E assim era sua filosofia: a vida deve fazer sentido para a própria pessoa e não para a sociedade. Ele acreditava que só através do cultivo do amor, como um exercício diário, poderíamos amadurecer e nos tornar melhores. “EXISTE UMA VOZ QUE NÃO USA PALAVRAS. OUÇA-A”. E assim ele viveu, a escutar a si mesmo, acima de tudo.

RUMI, poeta e  mestre espiritual

Sou capaz de me escutar? E você? Vivemos submersos em diversas possibilidades de comunicação e usamos as linguagens para nos fazermos compreender. Mas, e quando nenhuma delas é capaz de expressar o que se passa em nossa alma? “O QUE VOCÊ PROCURA ESTÁ PROCURANDO VOCÊ”, diz Rumi. Esse mestre espiritual persa apresenta o caminho do sujeito psíquico, aquele que se reconhece como energia inteligente, originada da fonte divina. O que eu procuro? Quem me procura? Onde vou me encontrar? Reflito!!!! Estou filosofando? E ele me apresenta uma possível resposta, se é que seja possível: “VOCÊ NÃO É UMA GOTA NO OCEANO. VOCÊ É UM OCEANO INTEIRO NUMA GOTA”. E agora?Há uma imensidão dentro de mim. E não basta navegar neste oceano desconhecido. É preciso mergulhar. Estou pronta? Não sei. E você? Tomemos fôlego para o mergulho.

“O SER HUMANO É COMO UMA CASA DE HÓSPEDES/TODA MANHÃ, UMA NOVA CHEGADA/UMA ALEGRIA, UMA TRISTEZA, UMA MESQUINHEZ/UMA PERCEPÇÃO MOMENTÂNEA CHEGA, COMO VISITA INESPERADA”. Há uma multidão de hóspedes dentro de mim e nenhum deles devo rejeitar; devo abrir a porta e convidá-los a entrar na minha casa íntima. Mas certamente não devo deixar que faça morada, meus vários eus precisam transitar, nesse ir e vir“MESMO SE FOR UMA MULTIDÃO DE TRISTEZAS/ QUE VARRE VIOLENTAMENTE SUA CASA E ESVAZIA DE TODA A MOBÍLIA/MESMO ASSIM, HONRE A TODOS SEUS HÓSPEDES/ELES PODEM ESTAR LIMPANDO VOCÊ PARA ACHEGADA DE UM NOVO DELEITE”. Abrir a porta de minha casa íntima para esses hóspedes é mergulhar na força que me impulsiona no enfrentamento daquilo que idealizo em mim, mas que talvez não seja eu. E está tudo bem, mesmo que inicialmente não pareça estar. É assim que nos constituímos, e nos reconhecemos, como seres imperfeitos em evolução; decisão que me proporciona produzir novos conteúdos para meu desenvolvimento pessoal. Se reprimo as várias constituições que me representam, e me constituem enquanto sujeito, impossibilito o fluxo de energia que pulsa em mim, e sem esse fluxo não há espaço para um saudável desenvolvimento psíquico. Reter o fluxo energético que faz parte de todo e qualquer sujeito gera as diversas neuroses. Sou neurótica? Mas quem não é? Aceito abrir a porta aos meus hóspedes e me deleito com alguns, com outros me surpreendo, brigo, rejeito. E assim sigo os passos na construção de quem sou individualmente e como administro aquilo que não posso negar que existe em mim. É o processo de aceitar-se e conciliar-se com suas neuroses.

                E nesse processo de autoaceitação, continuo seguindo as verdades de Rumi, muitas vezes dilacerantes para meu ego porque passo a acreditar que já avancei bastante.“POR QUE VOCÊ PERMANECE NA PRISÃO, QUANDO A PORTA ESTÁ COMPLETAMENTE ABERTA”? A autoaceitação pressupõe agora a transformação.Nossa! Como sempre esteve aberta e nunca percebi? E, ainda que derrube as grades da minha própria ignorância, encontrarei a saída? Como é pungente e, ao mesmo tempo iluminante a percepção de que as grades que aprisionam a liberdade de simplesmente ser, alojam-se na nossa mente, na passividade de nossa covardia humana sobre nossa própria humanidade, no aceitar-se exatamente como se é.Concomitantemente, paremos para pensar: somos alquimistas e se acreditamos nessa verdade podemos transmutar as grades invisíveis que insistem em permanecer em nossas mentes. E assim nos transformamos.

 É preciso apenas acreditar e seguir no enfrentamento porque “NÃO ÉS OUTRO SENÃO TEUS PENSAMENTOS. EM TI, ALÉM DELES, TUDO NÃO PASSA DE OSSOS E FIBRAS. SE TEUS PENSAMENTOS FOREM ESPINHOS, NÃO TERÃO MAIS DO QUE LENHA PARA O FOGÃO”.O progresso humano acontece através de repetidos mecanismos de erros e acertos. E olha que tenho cometido inúmeros erros. E você? “A FERIDA É O LUGAR POR ONDE A LUZ ENTRA EM VOCÊ”. O problema não está nos erros que cometemos, mas na ausência de esforços na identificação de nossos limites, na perda da oportunidade de transformar nossos problemas em aportes para as soluções. Imprescindível olhar nossos erros sem condenação para que possamos ter lucidez para enxergar claramente os “espinhos” que criamos através de nossos pensamentos. Porque tudo é processado pelo pensamento, ele é a exteriorização da mente que, por sua vez, é a manifestação da alma. Ah, minha alma! Quantos segredos a revelar, quanto temor!  “MUITOS SÃO OS QUE FOGEM DE UM PERIGO PARA OUTRO PIOR. MUITOS FOGEM DE UMA COBRA E ENCONTRAM UM DRAGÃO”. Onde se encontra o meu pior segredo?  Enfrentar os meus medos ou simplesmente negá-los? Minha alma clama por se fazer ouvir, todavia não sei que voz enfrentarei porque sei que é uma trilha sem volta, tornar-me- ía outro sujeito. Estou pronta?Não sei. E você? Só no caminhar teremos a resposta. Então que eu enfrente o perigo do caminhar. E vou seguindo o poeta Rumi...“ DANCE QUANDO VOCÊ SE SENTIR MACHUCADO. DANCE QUANDO VOCÊ TIRAR O CURATIVO. DANCE ENQUANTO LUTA. DANCE EM SEU SANGUE. DANCE ENQUANTO SE LIBERTA”.

Veja aqui: Tempos de Quarentena - parte 1

Por: Virginia Leão

Psicanalista, Hipnoterapeuta e Terapeuta de Regressão.
@virginialeao_psi
contato: ginnaleao@gmail.com

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